Tsuru, a ave japonesa símbolo da longevidade

A lenda diz que os tsurus podem viver até mil anos e, por isso, eles representam a longevidade, simbolizando ainda a felicidade plena.
Casal de tsuru | Foto: Media Commons
Casal de tsuru | Foto: Media Commons

Atualizado em 28/08/2022

Os tsurus (grou) são aves grandes, de cores contrastantes, plumagem clara, chegando ao branco, com extremos de fascinante degradê vermelho, e dotado de inigualável encanto. Beleza essa considerada sagrada pelos japoneses, cuja a crença é que o pássaro representa a vitalidade da juventude.

Tsurus no Céu / Arte em 3D | Foto: AsianWiki
Tsurus no Céu / Arte em 3D | Foto: AsianWiki

Na mitologia japonesa, o tsuru é considerado o pássaro mais velho do planeta, com expectativa de vida de cerca de mil anos.

Diz-se que essa ave era companheira dos eremitas que faziam meditação no alto das montanhas. No Japão antigo, acreditava-se que os Eremitas Místicos tinham poderes sobrenaturais que retardavam o envelhecimento.

Ao longo dos anos, por terem sido companheiros de eremitas, creditaram à essa ave a mística de ser um talismã poderoso, ave com ação sobrenatural e capaz de retardar o processo de envelhecimento. Dessa forma, o tsuru ganhou o título de “pássaro da longevidade”. Na Ásia, a crença da juventude perdura até os dias atuais, onde essas aves simbolizam a mocidade eterna e a felicidade plena.

"Casal de Tsuru" -  Detalhe central da obra da artista Maria Rosa, desenho com crayon sobre madeira - 2,5 mt x 1,23 mt | Foto: Maria Rosa / Mundo-Nipo
“Casal de Tsuru” – Detalhe central da obra da artista Maria Rosa, desenho com crayon sobre madeira – 2,5 mt x 1,23 mt | Foto: Maria Rosa / Mundo-Nipo

No folclore japonês, o tsuru também simboliza o amor conjugal e a fidelidade, isso porquê esta ave é monogâmica, ou seja, depois que um casal de grous se une, só a morte os separa.

Existem mais de 15 espécies de grous que habitam o planeta, porém o mais majestoso é o grou japonês (Grus japonensis), comum no leste asiático. Esta espécie, cujas penas são brancas e possui uma coroa vermelha no topo da cabeça e que podem chegar a cinco metros de altura e mais de seis metros de envergadura, estão entre as mais raras do mundo. Estima-se que no Japão exista apenas 1.000 delas.

A Crença

A arte do origami (formato de animais e objetos com dobradura papel) se inspirou nessa ave para criar uma de suas mais conhecidas formas, tanto que muitos também consideram o tsuru como o símbolo dessa arte japonesa, cuja importância a fez merecedora de um dia dedicado a ela, ou seja, 11 de novembro é o Dia Mundial do Origami.

Até algum tempo atrás era comum encontrar no Japão pedaços de barbantes amarrados com vários origamis de tsurus, que eram pendurados no teto para distrair os bebês ou deixados nos templos para pedir proteção.

Há também a crença de que cortinas produzidas com origamis de tsuru traz sorte e prosperidade à estabelecimentos comerciais. Em residências, essas cortinas têm a mesma simbologia, além de representar paz no lar e saúde para a família.

Cortina feita com origamis de tsuru | Foto: Maria Rosa / Mundo-Nipo
Cortina feita com origamis de tsuru | Foto: Maria Rosa / Mundo-Nipo

No Japão, acredita-se que dobrar 1.000 origamis de tsurus com a mente direcionada para uma necessidade, garante o desejo realizado.

Aos enfermos nos hospitais, papéis para fazer origamis de tsurus são oferecidos pelos visitantes, amigos e parentes. A lenda diz que, quanto mais origamis de tsuru o adoentado fizer, mais rápida será a sua recuperação.

Origamis de Tsuru | Foto: AsianWiki
Origamis de Tsuru | Foto: AsianWiki
Lenda das “Mil penas de Tsuru”

Conta a lenda que um camponês muito pobre vivia em uma cabana humilde e seu único alimento era algumas verduras que colhia de sua terra cansada.

Um dia, enquanto tentava plantar em sua terra mais ao longe por achar menos árida, encontrou um grou com a asa quebrada. A ave não podia voar em busca de alimento, estava fraca e beirando a morte. O camponês sentindo compaixão por tamanho sofrimento, rapidamente tomou o grou em seus braços e a levou para sua cabana. Ele cuidou de sua asinha e, pacientemente, colocou em seu bico algumas sementes. Com o passar dos dias, a grou melhorou porque a bondade do camponês a livrou da morte. Quando ela pôde voar, o camponês a libertou.

"Mil Tsurus" - obra do artista Jakuchu Masanori | Foto: Museu Nacional de Tóquio
“Mil Tsurus” – obra do artista Jakuchu Masanori | Foto: Museu Nacional de Tóquio

Alguns dias depois, uma mulher adorável apareceu em sua cabana pedindo que lhe desse abrigo por uma noite. O camponês, por ser uma pessoa de bom coração, não negaria esta caridade à pessoa alguma. Porém, a beleza daquela mulher fez com que ele acreditasse que deixá-la dormir em sua humilde cabana era realmente uma honra.

Imediatamente após aquela noite, os dois se apaixonaram e se casaram. A noiva era delicada, atenciosa e tinha tanta disposição para o trabalho quanto era bonita. E assim eles viviam muito felizes. Mas para o camponês, que já tinha muita dificuldade quando vivia sozinho, ficou muito mais difícil ainda cobrir as despesas que sua nova vida de casado lhe trazia.

Preocupada com esta situação, a esposa disse ao marido que produziria um tecido especial, pois tecer era um trabalho comum para as mulheres nessa época. Ele poderia vendê-lo para ganhar dinheiro, mas ela o alertou que precisaria fazer seu trabalho em segredo, e que ninguém, nem mesmo ele, seu marido, poderia vê-la tecer.

"Tsuru com filhotes no Pinheiro" - obra do artista Ohara Shoson 1877-1945 | Foto: Media Commons
Tsuru com filhotes no Pinheiro” – obra do artista Ohara Shoson 1877-1945 | Foto: Media Commons

O homem construiu uma pequena cabana nos fundos de sua casa onde ela trabalhava trancada durante três dias. O marido só ouvia o som do tear batendo. A curiosidade e a saudade que tinha de sua bela mulher fazia com que estes dias demorassem muito para passar.

Quando o som da tecelagem parou, ela saiu com um lindo tecido entre os braços, de textura delicada, brilhante e com desenhos exóticos. A tecelã lhe deu o nome de “Mil Penas de Tsuru”.

O marido então levou o tecido para a cidade. Os comerciantes ficaram surpreendidos e lutaram entre si para consegui-lo. O vencedor da disputa pelo tecido pagou com muitas moedas de ouro. O pobre homem não podia acreditar que tão de repente a sorte começasse a lhe sorrir. Desde então, a esposa passou a trabalhar no valioso tecido outras vezes. O casal podia, com o fruto da venda, viver em conforto. A mulher, porém, tornava-se dia após dia mais magra.

Um dia, a esposa tecelã disse ao marido que não poderia tecer por um bom tempo. A mulher estava muito cansada. Seus ossos lhe doíam e a fraqueza quase a impedia de ficar em pé.

O camponês a amava muito e acreditava naquilo que a esposa dizia, no entanto, tinha experimentado a cobiça. Ele havia contraído algumas dívidas na cidade e pediu para que ela tecesse somente por mais uma vez. A princípio ela não aceitou, mas perante a insistência do marido, cedeu e começou a tecer novamente.

Desta vez ela não saiu no terceiro dia como era de costume, o homem ficou preocupado. Mais três dias se passaram sem que ela aparecesse e isso começou a deixar o marido desesperado.

No sétimo dia, sem saber mais o que fazer, ele quebrou sua promessa, espiando o serviço de tecelagem que ela fazia.

Para a sua surpresa, não era sua mulher que estava tecendo. Arqueada sobre o tear encontrava-se um grou, muito parecido com aquele que o camponês havia curado.

O homem mal pôde dormir à noite, pensando o que teria acontecido com a mulher que amava. Amaldiçoava-se por ter sido insaciável e praticamente ter obrigado a sua querida esposa a tecer mais uma vez.

Na manhã seguinte, a porta da cabaninha se abriu e o camponês com o coração aos saltos fixou seus olhos na porta, esperançoso em ver a sua esposa sair dela com vida.

A mulher saiu da cabana com profundas olheiras, trazendo o último tecido nas mãos trêmulas. Entregou-o para o marido e disse, “Agora preciso voltar, você viu minha verdadeira forma, sendo assim, eu não posso mais ficar com você”.

Depois de dizer estas palavras, transformou-se em sua verdadeira forma para em seguida alçar voo exibindo um lindo rastro de pó cintilante. Ela deixou o arrependido camponês em eterna lágrimas.

Homenagem

Hiroshima e Nagasaki são memórias vivas no Japão. Todo ano, no dia 06 de agosto, as vítimas da tragédia da “Bomba atômica” são homenageadas pela população japonesa.

Nesta data, inúmeros tsurus são colocados em Memoriais erigidos em homenagem aos que morreram na tragédia.

Para os japoneses, depositar tsurus nesses memoriais representa votos de paz ao mundo, uma manifestação pacifica no intento de chamar a atenção aos povos de todas as nações para que nunca se esqueçam do mal que a “Bomba Atômica / armas nucleares” podem causar a uma nação. Além disso, é justamente nesse dia que eles comemoram “O Dia da Paz”. Em Nagasaki, o dia 09 de agosto é repetidamente homenageado em seus memorias, justamente porque a 2ª bomba nuclear foi jogada nesta Cidade três dias após a tragédia de Hiroshima.

Em memória de Sadako Sasaki

Sobre dobrar os mil tsurus de origami e ter seu desejo realizado, a lenda foi reforçada a partir de uma das mais belas histórias de esperança e luta pela vida.

No dia 6 de agosto de 1945, ocorreu um dos mais trágicos eventos da história da humanidade: os Estados Unidos detonaram sobre a cidade de Hiroshima, no Japão, a primeira bomba atômica da 2ª Guerra Mundial.

Três dias depois seria a vez da cidade japonesa de Nagasaki  sofrer com um ataque nuclear. A bomba caiu a pouco mais de um quilômetro da casa da menina Sadako Sasaki, que na época tinha dois anos de idade. A mãe de Sasaki conseguiu salvá-la da explosão, no entanto, durante a fuga, as duas tomaram da chuva radioativa que caiu após o ataque.

Estátua de Sadako Sasaki no Memorial da Paz das Criancas em Hiroshima | Foto: AsianWiki
Estátua de Sadako Sasaki no Memorial da Paz das Crianças em Hiroshima | Foto: AsianWiki

Sasaki viveu normalmente até os 12 anos de idade, quando descobriu que estava com leucemia (câncer no sangue), devido a radiação nuclear a que foi exposta.

Em tratamento no hospital, ela recebeu a visita de uma amiga que lhe contou a lenda dos mil tsurus de papel.

Logo Sasaki começou a fazer as dobraduras, mentalizando sempre a sua cura, para que ao final do trabalho ela saísse do hospital livre da leucemia.

Sasaki, no entanto, não teve forças para completar os mil pássaros de papel que pretendia, tendo feito 964 tsurus até o dia 25 de outubro de 1955, quando veio a falecer. Seus colegas de classe completaram os tsurus de papel que faltavam a tempo para seu enterro. A notícia do esforço de Sasaki logo se espalhou pelo Japão e pelo mundo.

Estudantes de mais de 3.000 escolas do Japão e de 9 outros países,  iniciaram uma campanha para a construção de um monumento na cidade de Hiroshima em memória de Sasaki e de outras milhares de crianças, que morreram, ficaram feridas ou estavam doentes em decorrência da bomba. O apelo popular foi atendido e, em 05 de maio de 1958, foi inaugurado em Hiroshima, no Parque da Paz, o Monumento da Paz das Crianças, com a Estátua da menina Sasaki erguendo um origami de tsuru.

A história de Sadako Sasaki é considerada como um dos símbolos da luta pelo fim das armas nucleares. A vontade de viver da menina japonesa, que se pôs a fazer mil origamis de tsurus, transformou-se no símbolo da paz, tanto que todos os anos, no dia 6 de agosto, no qual se comemora o Dia da Paz, milhares de pessoas enviam tsurus ao Monumento da Paz das Crianças, como também visitam todos os memoriais erigidos com esse propósito, depositando milhares de tsurus com a intenção de mostrar que a esperança e o desejo de dias melhores ainda existem em nosso planeta.

Por Maria Rosa (Artigo criado originalmente em 2006).
Principais fontes de pesquisa:
Site/Jornal: The Asahi Shimbun;
Livro: Mythis Legends of Japan | Autor: F. Hadland Davis;
Livro: Contes et légendes du Japon | Autor: Maurice Coyaud.

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